sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Violência na Infância

por Rita de Cássia da Silva
1– Agressividade e Violência
A violência, segundo Damergian, é uma das manifestações externa da agressividade
natural do ser humano. Mas, uma das formas mais cruéis e chocantes é a prática contra a
infância. A agressividade, tanto dentro como fora de nós, no meio social, é algo que não
podemos negar. A agressividade externa é uma projeção de nossos impulsos destrutivos
para fora.
O que impulsiona o indivíduo no sentido de integração de sua personalidade é o conflito
e a inter-relação entre o instinto de vida e o de morte. A vida perturba a morte, diz Freud
(1920, apud Damergian) e daí surge à turbulência e a ambivalência. A manutenção da
vida tem como condição essencial à inter-relação entre estas duas forças opostas das
quais surgem as sensações, as emoções, desejos e atividades no ser humano. E este é o
conflito que condiciona nossa vida mental. Administrá-lo é manter a própria vida, além
do que, é a tarefa básica da mente humana. Isso faz com que a mente não fique
paralisada, o que seria um risco para ela, assim, este conflito não pode ser eliminado, e é
sim indispensável à sobrevivência do ser humano.
A agressividade em um indivíduo adulto e saudável é usada como indispensável para
proteger a vida. O uso positivo da agressividade depende das condições do processo de
desenvolvimento da criança, da interação que se estabelece entre as condições internas
da criança com as condições externas que o meio lhe oferece.
Assim, agressividade faz parte do ser humano e é necessária à sua sobrevivência, já que
lhe permite defender-se e manter-se vivo. Além disso, impulsiona para a ação, para uma
atividade construtiva. O seu aumento ou atuação descontrolada transforma-a em
violência. Desta forma, a agressividade natural que foi evolucionariamente útil, perde
sua utilidade e se transforma em uma arma mortífera contra os outros seres humanos. A
própria história mostra como o ser humano tem sucumbido a toda espécie de crueldade
e massacre, indicando que há aí um fracasso no desenvolvimento de comportamentos
que possam controlar a destrutividade.
As condições sociais adversas, como a miséria, fome, desemprego, falta de perspectivas,
formam uma alquimia mortífera com as pulsões agressivas do ser humano e o resultado
é o aumento da agressividade. O ser humano com sua sede de poder diminui sua
capacidade empática diante do outro e as relações humanas se coisificam e se tornam
cada vez menos humanas. Quando esse processo atravessa uma intensa crise e stress, há
um desnudamento do indivíduo e o que emerge é o homem primitivo, incapaz de
controlar seus impulsos, seus medos, seus rancores e seu desejo de destruir o “inimigo”
oculto que lhe persegue. Rompidas as barreiras de seu ódio, este é extravasado contra os
mais diversos alvos, não poupando a infância.
A violência praticada contra a infância, principalmente aquela exercida pelos pais, tem
um nome: infanticídio. O infanticídio não é um fato novo nem privilégio nosso, está
presente em todos os grupos sociais, tanto primitivos como contemporâneos. Sua forma
de manifestação é variada indo deste a matança até o abandono.
Temos visto ultimamente pela mídia notícias de pais que espancam até a morte e mães
que abandonam os filhos, não para que alguém cuide deles, mas para que morram.
Quando é apresentado um caso que choca a opinião pública a própria mídia
instrumentaliza e sai à cata de mais casos. Parece que a mídia necessita da violência
para manter-se. Não obstante, estes acontecimentos são comuns, antigos e acompanham
todas as sociedades e cada vez as estatísticas aumentam ao invés de diminuir. O grande
problema da mídia brasileira é que ela não leva a reflexão alguma sobre as causas,
apenas noticiam deixando claro que o culpado é apenas o pai, ou mãe, que são violentos
ou cruéis.
Por que uma mãe abandona seu filho(a) na lata do lixo ou na porta de alguém? Por que
uma mãe joga seu filho(a) no lago? Por que uma mãe deixa seu companheiro bater em
seu filho, às vezes, levando-o até à morte? São perguntas que devem levar à reflexão.
Parece que a sociedade capitalista fracassou na sua tentativa deixar seus indivíduos
sadios e competitivos. Tornamos-nos consumidores e consumidores de violência.
Parece que a sociedade capitalista, também, precisa dela para se manter.
Voltando o olhar para a criança abandonada, quando ela não encontra substitutos
adequados para as figuras parentais, não tem onde descarregar sua agressividade inata e
nem quem a ajude a lidar com ela. Assim, não pode desenvolver formas não destrutivas
de expressar sua agressividade e corre o risco de ser destruída por ela mesma se houver
bloqueio desta energia.
No próximo item vamos descrever com mais detalhes como a violência na infância foi
sendo introduzida na história humana e como em alguns momentos tomou a conotação
de disciplinaridade.
2 – A violência na infância
Historicamente, a infância sempre aparece com dados de vitimização de maus tratos,
colocada à parte em todo contexto social, isto é, não participando, não contando como
elemento significativo para todo e qualquer caminhar do homem.
Este é um problema que reflete a própria evolução da criatura humana, voltada sempre
para si mesmo, onde a criança surge como objeto de carência afetiva, abandono
emocional e violências do adulto, em função de toda uma patologia individual, familiar
e social.
Segundo relatos de pesquisas realizadas pelo CRAMI (Centro Regional de Atenção aos
Maus Tratos na Infância), o agente agressor, ao contrário do que a cultura popular
imagina, não é só padrasto, madrasta, mas os pais biológicos e principalmente a mãe.
Diz Stanislaw Krynski (1995), em “A Criança Maltratada” que a violência está
profundamente ligada aos aspectos mais primitivos do homem: à violência
propriamente dita, a destrutividade, ao instinto de morte e à violência como elemento de
defesa, estando estes enraizados na estruturação das sociedades primitivas, onde a força
era o ideal supremo.
Ligado a estes fenômenos que acompanham a história da humanidade, encontramos as
mutilações, canibalismo, rituais de violência física e emocional, restrições e proibições,
as mais diversas, encontradas até nos catecismos, circuncisões, infibulações,
flagelações, tudo sob pretextos religiosos ou científicos.
Nasce como instrumento social regulador destes fenômenos, a disciplina imposta às
crianças: ataduras, sapatos chineses, mutilações corporais de sociedades primitivas, os
castigos violentos e cruéis.
Em “Vigiar e Punir” (Foucault, 1995) há o relato da disciplina instituída nas escolas,
hospitais e escolas militares, onde a rigidez extrema reforçava o aspecto deste
instrumento como assegurados do bem estar social.
Após o sentimento de indiferença da Antigüidade em relação à infância, ocorre a
presença de dois sentimentos: um de irritabilidade e exasperação, culminando com a
disciplinação e outro de paparicação, onde a criança servia para distrair o adulto.
P. Ariès (1991), nos conta que na Antiguidade, o infanticídio não só era tolerado, como
também era incentivado, em determinadas condições e acima de tudo, eram sentimentos
controladores.
A mudança do olhar em relação à infância, segundo Ariès, começa a ocorrer no final do
século XVII, quando ela não é mais vista só como distração, mas sim sob o enfoque
psicológico e moral, penetrando na mentalidade infantil para poder educá-la.
Tiram sua roupa infantil, por volta dos sete anos e a substituem pela do adulto,
assumindo o ônus desta mudança. Assim são mandadas para a escola, começam a
trabalhar, brincam com jogos de adultos. A discriminação entre sexos é muito rigorosa e
são colocadas na mesma casta do proletário.
Propiciam então a cisão de crianças e adultos, pobres e ricos, sentimento de infância e
sentimento de classe, feminino/masculino.
Essas crianças têm sua infância encurtada, sendo obrigadas a saltar etapas de seu
desenvolvimento emocional, restando pouco tempo para fantasiar e sonhar.
A violência participa também, dos “jogos de guerra” para os homens e para as
mulheres; ficam registrados maus tratos mais requintados: a humilhação, a dependência,
o servilismo e a indefensibilidade. Os maus tratos mudam, também, de figura, de acordo
com a classificação social da criança. A criança abandonada e indigente é um pária, a
índia é sem alma, a analfabeta é sem classe. Há diferenças de maus tratos quanto à faixa
etária: o infante, a criança, o escolar e o adolescente; e, quanto à classe social: o filho do
operário, do burguês e do aristocrata. Os maus tratos mudam de figura e a
“instrumentalização” se diferencia e se especializa. Antigamente se matava por
abafamento ou afogamento, depois por gás ou envenenamento, agora é por fome,
miséria, abandono e rejeição.
Pensando na sociedade medieval onde as crianças não tinham importância e conotação
de pessoa, queremos questionar o seu lugar hoje, quando nos deparamos com maus
tratos e abuso sexual.
O nosso século é chamado “século da criança”. Conta até com o Estatuto da Criança.
Mostra uma criança descrita e aceita como fazendo parte da humanidade. A infância é
exaltada, ela é fundamental na construção do humano e, portanto, necessita de cuidados.
E assim, a família passa a ser a única responsável por tudo de ruim que lhe acontece,
inclusive o mau trato. Esquece-se de considerar o mau-trato individual e coletivo - a
criança vítima do indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade, em geral. É a
situação da criança pertencente a grupos minoritários que sofrem agressões e violências
de caráter: social, econômico, religioso e político. Isso acontece nas escolas e nas ruas,
diferentemente da casa. Apesar de todo o progresso, a sociedade ainda é cruel com os
menos favorecidos, principalmente a criança.
Estas crianças que são maltratadas e, freqüentemente assustadas, aterrorizadas ficam em
permanente tensão, são excessivamente limitadas em seus atos e desejos normais,
acabam desenvolvendo mecanismos reativos de defesa, onde desencadeiam também
maus tratos. Elas reagem contra os adultos, lutam, irritam, incomodam, gritam, choram,
ficam agressivas, hipercinéticas e malvadas; ficam doentes, psicóticas, epiléticas e
psicopatas. Por todo o mundo há uma escalada da violência. A criança maltratada
aprende a maltratar, cresce, e, às vezes, se isola, se deprime por medo de ser ela mesma
violenta, e às vezes comete homicídio, estupros e toda espécie de violência contra o
outro.
O abuso pode, muitas vezes, ter um significado diferente do que o é para nós adultos. A
criança pode ficar tão embotada emocional e cognitivamente, que nada mais tem
qualquer significado. Pode corrompê-la e torná-la fascinada - pelo abuso - ou torná-la,
ela própria, alguém que abusa. Ela pode temer muito mais a pessoa que abusa dela, do
que o próprio ato de abusar. Pode sentir ainda, um profundo amor pela figura de quem
abusa dela e esse amor ser mais forte do que seu medo ou desgosto pelo abuso. Assim,
nossas noções de justiça, proteção e cuidado podem ter significados irreais para a
criança.
Como vimos, historicamente, a violência sempre teve uma função nas diversas
sociedades humanas. Sempre foi usada como meio coercitivo. Entretanto, ela nunca
levou a humanidade a um caminho (processo) de humanização, ao contrário, serviu para
a destruição através das guerras, massacres, assassinatos.
Na criança, ela tem uma conotação de destruição muito mais violenta, visto que está em
processo de crescimento físico, afetivo, cognitivo e de personalidade.
Como agravante dessa situação, entra em cena a permissividade social. Nossa sociedade
é permissiva para com a violência, incorpora-a a seu cotidiano, de forma que não nos
espantamos mais com notícias de assassinatos e brutalidades, cometidas
indiscriminadamente contra adultos, velhos e crianças que inundam os jornais e
noticiários. Nós somos permissivos para com a violência! Complacentes e acomodados!
Às vezes cúmplices! Nós nos esquecemos: vemos, ouvimos, lemos e esquecemos!
Negamos e esquecemos a violência cotidiana como esquecemos duas guerras mundiais!
Fabricamos armas, aumentamos o poder de destrutividade! E o alvo é sempre o humano
que começa a ser destruído desde seu início, ou seja, desde a infância.
Também podemos falar de violência transferida quando falamos de violência contra a
criança. O individuo frustrado, oprimido pelas suas condições de vida e às vezes com
vontade de agredir um desafeto seu e incapaz de realizar sua impulsividade, acaba
endereçando sua fúria à criança que impotente em sua fragilidade não tem como se
defender. E deste mesmo modo, a própria criança pode começar a transferir a violência,
agredindo irmãos ou amiguinhos mais novos ou torturando animais e mais tarde,
tornam-se elas mesmas adultos violentos.
Uma das formas de violência contra a criança é o abuso sexual. O abuso sexual produz
na criança traumas e sintomas que pode perdurar pela vida toda levando ao transtorno
de estresse pós-traumático (TEPT). A esse respeito vamos, a seguir, apresentar alguns
passos que são necessários serem observados no tratamento de crianças com essa
realidade.

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